sábado, 29 de dezembro de 2012

4 - Sem Titulo


A casa de Marta era o oposto da de Susan. Tinham muitos vasos de flores, cortinas floridas e mobílias de todas as cores. O sofá era vermelho vivo, extravagante, e muito confortável. Fiquei sentado nele enquanto ouvia as duas moças na cozinha, pondo a mesa e acabando os pratos.
- Então, você tem um namorado? - ouvi Marta sussurrar.
- Mais uma... Companhia temporária, Marta. - pude notar o tom de escárnio da voz de Susan.
- Você tem certeza que isso é tudo, querida? E o corte em seu pescoço?
- Shh... - Susan abaixou sua voz - Temos um trato agora. Ele não vai tentar me matar de novo. Ele vai me proteger. Ou tentar, pelo menos. Não deixe que ele saiba que você está a par de tudo.
Elas ficaram quietas depois, ou o barulho da louça era mais alto que a conversa, porque não pude ouvir mais nada. Então a senhora tinha percebido. Pensei seriamente em fugir, mas considerando o tom que Susan usou conclui ser desnecessário. Talvez tivesse sido um plano para que eu não pudesse mudar de ideia e simplesmente matá-la agora, já que tinha uma testemunha. Era difícil ter certeza, já que Susan era mais esperta do que eu queria.
Não demorou para eu ser chamado à mesa. Sentamos e comemos, com Marta agindo perfeitamente neutra enquanto me perguntava sobre minha vida profissional. Disse que era um agente de viagens, motivo pelo qual passava muito tempo fora, e levaria Susan também por um tempo.
Descobri algumas coisas sobre a senhora, como o fato de ela ter sido uma dançarina famosa em sua juventude e que mesmo casada, não pôde ter filhos. Foi como ela praticamente adotou Susan como dela quando ela se mudou para o duplex, já que os pais da jornalista haviam morrido alguns anos antes.
Depois de algumas horas Susan se desculpou, dizendo que tínhamos algo a fazer, e fomos embora. Ao chegarmos no andar de cima ela foi direto para seu quarto, voltando com um grande livro sem capa, sentando-se ao meu lado no sofá.
- Notas de aula? - perguntei, irônico.
- Quase. Artigos de crimes de matadores de aluguel e a maioria dos crimes de Walter. - ela folheou as páginas como se estivesse em busca de um específico.
- Como você achou o Walter?
- Na verdade, não achei. - sorriu - Eu sei o que ele fez, faz e talvez até o que ele vai fazer. É sempre a mesma coisa, tráfico de dinheiro, drogas, produtos. Cada vez de um modo. Só dá pra perceber a assinatura se souber os detalhes de cada crime.
- E qual é?
- Como se eu fosse te dizer, né?
- Como você quer que eu brigue contra uma coisa que eu nem conheço? - joguei uma almofada em Susan, frustrado.
- Conhecimento. - ela apontou para si - Força bruta. - apontou para mim.
- Não acho que seja justo.
- Então estude e descubra você mesmo. - jogou o livro em mim, levantando-se.
- É seguro passar a noite aqui? - segurei-o antes que me atingisse, seguindo-a.
- Ninguém nos viu. E preciso ler um pouco e juntar material, assim como você.
- E porque você não fica aqui estudando comigo? - eu a segurei pelo pulso.
- Penso melhor sozinha. - sorriu.
- Você devia aprender a trabalhar em grupo. - a puxei para perto.
- Diz o cara com o trabalho mais solitário do mundo. - ela me empurrou.
- Talvez com a sua companhia eu pudesse abrir uma exceção...  - disse, irônico.
- Que pena, então. - ela virou e entrou em seu quarto, batendo a porta atrás de si.
Sorri para a porta fechada, balançando a cabeça negativamente. Então ela não tinha mentido quando disse "Só hoje" no dia anterior. E tinha muito a esconder, como deu para notar pela conversa com a vizinha.
Como não tinha o que fazer, segui o conselho de Susan e li os artigos que ela me emprestou. De fato, só depois de acabar de ler todos eles à noite pude ver a marca de Walter nos crimes: Sem pistas. Sem impressões digitais. E se era pego, deixava tudo para trás.
Nesse ponto reparei que ia ter de dormir no sofá. Suspirei. Pelo menos tinham algumas almofadas que usei para me aconchegar, dormindo.
No dia seguinte não saímos também. Planejamos os próximos passos e Susan lembrou que tinha uma festa na terça-feira. Como sabíamos que Walter estaria ciente da falha até lá, escolhemos nos hospedar no próprio hotel da festa.
Fazia frio nesta noite, e enquanto dormia notei um cobertor sendo colocado sobre mim. Como um reflexo, puxei a mão que estava mais perto de meu rosto, e Susan caiu sobre mim com um grunhido.
- Estava me esperando por acaso? - ela tentou se soltar.
- Torcendo se encaixa melhor. - eu sorri, tirando alguns fios de cabelo de seu rosto.
- Ok. Achei que você estivesse com frio. Quero ir voltar a dormir, por favor. - tentou novamente.
- Mas então você teria frio. Aqui o cobertor é natural. - acariciei seu rosto.
- Prefiro os sintéticos...
- Você não pode ficar mentindo. Estava pensando em mim, obviamente. - a puxei para mais perto.
- Não sonho com assassinos, John. - sua respiração estava tensa.
- E com seguranças particulares? - a beijei no rosto após cada palavra.
- Bom salário? - ela sorriu, se aproximando.
- Excelente. - ergui minha cabeça até meus lábios tocarem nos dela, soltando seu pulso.
- Prefiro trabalhos mais seguros. - ela disse sem remover os lábios, se levantando e entrando em seu quarto.
Eu a assisti ir, sorrindo presunçosamente.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

3 - Sem Titulo


Acordei sozinho no dia seguinte, sem ter certeza do por quê. Olhei ao redor e Susan não estava lá. Mas ouvi barulho de água vindo do banheiro... Ela devia estar tomando banho. Me espreguicei enquanto sentava, e lembrei da noite anterior.
Acreditei mesmo que acabaria muito bem até ela apagar durante os beijos. Eu a segurei e tentei acordá-la. Como não funcionou, fiz o que todo homem faria. Carreguei-a até a cama e a deixei lá, pegando o colchão reserva para que eu dormisse. Fui tomar um banho e notei que meu ferimento era somente superficial, então só o limpei e fiz um curativo rapidamente. Quando voltei para o quarto, Susan estava deitada de lado, respirando profundamente, com as costas cheias de sangue. Eu realmente sou médico, mesmo tendo inventado o emprego no hospital. Imaginei que ela estaria anestesiada pela adrenalina misturada com o álcool, então peguei meu kit de sutura e passei a dar pontos nas costas dela. Susan nem se moveu durante o processo, mesmo o corte sendo tão longo quanto seus cachos ruivos.
Não pude evitar observá-la por um tempo antes de dormir. Estava muito cansado por algum motivo.
Saindo das lembranças me levantei e troquei de roupa. Ao abrir a janela o dia estava ensolarado, com algumas nuvens de chuva ao fundo. Suspirei. Pelo menos as malas estavam feitas para a viagem à Austrália... Cujo avião partiu algumas horas antes. Eu ri. Estava com problemas maiores do que Susan podia imaginar…
Ouvi um resmungo no banheiro e tentei abrir a porta. Como estava trancada, falei alto:
- Você está bem?
- Minhas costas estão bem. O corte do pescoço dói. Preciso de alguma coisa pra usar, já que você arruinou meu vestido.
- Como o que?
- Qualquer coisa, John. Não é como se eu tivesse escolha.
Procurei minhas roupas mais justas e bati na porta. Susan a abriu e fechou rapidamente, aparecendo vestida pouco tempo depois. Tentei me controlar, mas acabei rindo e tomando um soco em meu braço. Ela teve que dobrar um bom comprimento da calça e ergueu as mangas da camisa também.
- Agora aos negócios. Você disse que acabaria o serviço hoje?
- Tinha até terça. Suponho que ficaremos bem até lá.
- Só até que eles me vejam com você. Então terão duas opções: te matar ou me pegar quando estiver sozinha. – ela suspirou.
- Você não ficará sozinha. E eles não conseguiriam me pegar. – dei de ombros – Planos?
- Preciso ir para casa, de preferência sem ser seguida.
- Ok. – peguei um chapéu e passei a ela – Vamos fazer o seguinte: você sai pelas escadas de emergência e me encontra no estacionamento 24 horas da esquina. Eu vou pagar a conta e te encontro lá em 15 minutos. Trato?
- Como vou saber que você vai aparecer? – ela perguntou secamente
- Do mesmo jeito que eu não tenho ideia se você não sairá correndo para contar a alguém sobre mim. – retruquei amargamente – Agora vamos.
Susan bufou, saindo pela janela. Fui à recepção para pagar a diária, observando intensamente todos ao redor. Só tinha uma idosa e o jovem carregador. Ninguém pareceu suspeito. Na rua continuei cuidadoso, observando todos em volta, andando rápido.
Quando entrei no estacionamento não pude evitar de ficar feliz quando vi Susan sentada em minha moto, com seu cabelo escondido no chapéu. Ela sorriu espertamente para mim enquanto colocava o capacete, dizendo:
- 29 com a 6ª.
Me senti um idiota. Claro que ela não deixaria um estranho levá-la para casa no primeiro encontro e eu fui enganado. Maldita arrogância. Dirigi sem falar nada.
A jornalista na verdade morava em uma vizinhança de classe média com casas muito parecidas. Quando nos aproximamos de uma, com muitas flores nas paredes, ela pediu para parar. Era uma casa linda e depois de entrar não era diferente. Subimos para o segundo andar.
A sala tinha todas as paredes brancas com alguns quebra-cabeças pendurados. A mobília era simples, de madeira, e o único luxo era uma grande televisão sobre a prateleira de mogno perto da porta. A cozinha era aberta para a sala de estar, também branca. Quando entrei no quarto dela, era tudo diferente. Toda a mobília era escura e as paredes cobertas com histórias de jornal. Pude perceber que a maioria eram de Susan, mas atrás da porta tinham algumas que não seguiam o padrão.
“Morte estranha em hotel de uma pequena cidade
Na manhã desta sexta-feira um corpo foi encontrado em um banheiro do Hotel Compris. O corpo pertence a um homem ao redor dos trinta anos, encostado no canto de um Box, aparentemente após um suicídio. Mas não foi necessário muita investigação para notar em seu colarinho, nada escondido, um borrão de batom vermelho, o que prova que havia uma mulher com ele.
Esse é o segundo assassinato nas últimas semanas com as mesmas características. O outro aconteceu na sexta-feira passada, com um homem ao redor dos quarenta anos. Ninguém sabe a verdadeira razão por trás destes crimes, e a polícia não está dando muita importância a eles. Ambos os corpos foram reconhecidos como matadores de aluguel. “
Foi assim que ela me descobriu então. Pesquisava assassinatos. Típico de quem quer ser morto. Sobre a mesa estavam alguns artigos com passagens em marca-texto: “Não há informações sobre o assassino, exceto que ele é um homem”...”A empregada que passou perto do quarto ouviu barulhos abafados e sons de beijos, acreditou que eles fossem um casal comum”...”Análise de sangue mostra remédios antidepressivos, mas a forma que a bala entrou no corpo da vítima faz a cena suspeita”...
- Você é óbvio para quem te espera. Eu só tinha que ter certeza. – Susan disse do meio de seu grande guarda-roupa.
- E como você soube com somente estes?
- Reuni uns fatos, conversei com algumas pessoas. Além disso, você é homem, atraente, tinha muitas opções de moças solitárias para se sentar que estavam realmente interessadas no shopping. Você mentiu perfeitamente e me olhou como se quisesse encontrar qualquer fraqueza emocional que eu pudesse ter... E a ideia de jantar em um pequeno hotel fechou tudo.
- Bom, você me acha atraente. E faz tudo parecer tão simples. – bufei, me sentando – Como você ligou todos a mim?
- Mesmo tipo de crime, cenário e vítimas. E eu fiz o último. Reconheci seu cheiro enquanto estávamos na moto.
- Então devo parar de usar perfume. E matar alguns caras para variar. Mais alguma dica? – perguntei irônico.
- Sim. Mude de carreira. – ela jogou as roupas emprestadas em mim, indo para a sala de estar.
- Então? O que agora?
- Esperamos. É quase hora do almoço.
Concordei, me encostando à parede enquanto observava Susan no sofá, vendo TV. Quando ouvi a campainha me assustei, tirando a faca instantaneamente.
- Não seja ridículo. Guarda isso. – ela disse impaciente, abrindo a porta – Bom dia, Marta.
- Bom dia, Susie, querida. Eu estava tão preocupada quando não te ouvi voltar noite passada! Vim ver se você está bem e te chamar para o almoço.
- Ah, obrigada, muito atenciosa. – ela sorriu – Vamos dizer que tive uma noite e tanto. – me apontou com a cabeça.
Marta entrou. Ela era uma idosa muito pequena, cheia de rugas, com óculos grandes que deixavam seus olhos castanhos arregalados. Me olhou de cima a baixo, o que me deixou envergonhado, sorrindo para ela.
- Que bom gosto, Susie. Ele me lembra do meu primeiro encontro. Venha almoçar também... Como é seu nome mesmo?
- Julian, Dona Marta. Prazer em conhecê-la. – sorri.
- Igualmente. Vamos descer então.

sábado, 11 de agosto de 2012

2 - Sem Tìtulo


Tudo estava pronto no domingo. Estava terminando de dar o nó em minha gravata às sete e meia. Sorri para o espelho, extremamente confiante, como sempre, espalhando meu cabelo sobre os olhos. Para me fingir de ansioso resolvi esperá-la já à mesa, então desci ao restaurante.
Pontualmente Susan entrou, com um vestido muito curto e botas altas, toda de preto. Eu nunca a tinha visto tão bonita. Pisquei para tirar esse pensamento da minha cabeça, beijando a mão dela enquanto sentava.
- Velhos hábitos, Julian? – ela sorriu.
- Só para damas charmosas como você.
Ela riu, escolhendo seu prato tão rapidamente quanto o vinho que mais a agradava. Susan começou a bebê-lo cedo, como eu torci. Conversamos muito, rimos muito. Ela parecia estar ficando alterada e eu comecei a tirar vantagem disso, usando vários flertes e brincando com suas mãos enquanto ela me olhava intensamente.
- Bem, melhor eu parar de beber. Eu tenho que conseguir voltar pra casa sozinha depois... – ela riu.
- Você vai me deixar aqui... sozinho? A noite toda? – fiz um rosto triste.
- O plano original era esse... Mas se você quiser muito, posso até pensar em mudá-lo.
Ela disse isso com uma voz baixa e sexy, com um olhar muito forte. Não pude evitar pensar que eu queria, e muito. Mas só para matá-la, claro! Claro?
Mesmo em dúvida pedi a conta. Susan entrou no elevador e apertei o andar rapidamente. Ela brincou com minha gravata e encostava e desencostava seus lábios nos meus, obviamente me provocando. Eu a prendi contra a porta enquanto a destrancava, me aproximando.
Ela entrou no quarto, deixando um cheiro doce que me deixou avoado por um instante. Quando recuperei meus sentidos, Susan estava no banheiro, sentada na banheira com uma das mãos sobre a torneira do chuveiro.
- Então... Como vai ser? – ela sorriu ironicamente.
- Alguma... Preferência? – eu respondi surpreso. Claro que a visualizei lá. Mas só depois de morta.
- Eu achei que aqui era o lugar perfeito. – ligou o chuveiro indo para o lado oposto – Boa proteção acústica. Ninguém vai ouvir seu tiro, John.
- Do que você me chamou? – minha boca abriu em choque.
- John, Julian. De John. Seu nome verdadeiro. Certo?
- Achei que estivesse bêbada e confusa depois da garrafa quase inteira de vinho que tomou. – eu disse, sério – Estava errado, obviamente.
- Definitivamente. – ela riu – Olha só o matador que enviam para mim. Não escolheria nenhum outro para o serviço... Estive gostando dos seus métodos demais. E já ouvi que fica ainda melhor no final.
- Então sabe o que vai acontecer. Muito interessante. – disse, irônico – O que vou fazer agora?
- Você vai atirar em mim e então cortar meus pulsos. Já derrubei as pílulas na pia e no caminho, como pode ver... – ela ficou quieta quando me aproximei e coloquei a arma em sua barriga.
- Ninguém vivo sabe essas coisas. – sussurrei – Últimas palavras?
Inacreditável. Ela riu. Dei alguns passos para trás e atirei na altura da cintura dela. Como ela continuou rindo, ergui minhas sobrancelhas, surpreso. Susan se levantou e jogou a bala aos meus pés, tirando-a do colete a prova de balas que devia estar usando sob o vestido.
- Não dar crédito suficiente a seu serviço pode se tornar um grande erro, John Venom. Ou você achou mesmo que eu não sabia que viriam atrás de mim?
- Achei. Você não parece tão esperta. – eu a deixei passar de volta ao quarto.
- Eu não posso ser burra e encurralar Walter como tenho feito, posso?  Falta de inteligência da sua parte. – Susan bocejou.
- Bêbada você não devia lembrar nem seu nome.
- Nem bêbada eu fico burra. Até onde eu sei, pelo menos. – ela se deitou na cama, fechando os olhos.
Eu a observei. Agora que ela sabia quem eu era, não poderia deixá-la viva. Pelo contrato, um tiro na cabeça estava fora de cogitação... Seria impossível que ela atirasse na própria cabeça com o nível de medicamentos em seu sangue – tinha planejado que ela tomasse os remédios antes. Concluí que não tinha escolha. Mesmo que fosse contra o que eu mais acreditava, que era inteligência no lugar da força.
Peguei a faca que mantinha em minha meia. Me aproximei silenciosamente de Susan e pressionei a arma contra seu pescoço, segurando-a deitada. Ela deu um pequeno salto de susto, abrindo um pequeno corte cedo demais.
- Achei que não faria isso. Que fosse contra seus princípios.
- Não tenho princípios. – sussurrei.
- Vá em frente então. Aperte mais. – ela me encarou, séria.
- Ah, não. Devagar é melhor... Aumenta a dor. – apertei a lâmina levemente, abrindo o corte o suficiente para que sangrasse.
- É, você tem razão. – se encolheu levemente – Bom, vai valer a pena, se as histórias forem reais.
- Quais? – me aproximei, pressionando um pouco mais.
- O longo beijo... Antes da morte... – sussurrou, deixando uma lágrima de dor escorrer por seu olho.
- Não se preocupe. Vai descobrir. – sorri ironicamente, depois de ter soltado a faca um pouco.
Pela primeira vez me apiedei de uma vítima. Foi a primeira lágrima que me doeu. Me aproximei de seus lábios vermelhos, apertando a faca até ouvi-la soltar um gemido de dor, e então a beijei.
Este foi meu segundo erro.
Pois algo estranho aconteceu ali. Susan me beijou de volta de uma forma que não tinha feito antes... Tinha paixão, luxo, desejo... Foi tão intenso que soltei minha arma sem prestar atenção até ouvir o baque surdo que fez no chão frio. Antes que eu pudesse me mover, ou sequer pensar, me vi embaixo de Susan que pressionava a mesma faca contra meu pescoço – da maneira errada, devo dizer, com o cabo.
- Mas que…
- Shh. Achou mesmo que ia ser fácil? Estava errado. – ela se curvou sobre mim, beijando meu pescoço até minha orelha – Se tivesse pesquisado um pouco mais... Talvez não estivesse nessa situação.
- Se você não fosse tão curiosa e metida a detetive, você não teria de estar aqui. – respondi – Você podia estar fe...
Não consegui continuar porque ela pressionou o cabo da faca contra meu esôfago me deixando sem fôlego. Então ela tirou uma agulha da sua bota, apontando para minha jugular. Se curvou de novo, seu nariz tocando o meu.
- Últimas palavras, John?
- Sem... Chance...
Tive que pular para beijá-la, mas consegui o que queria: Susan amoleceu e pude jogar sua agulha para longe e recuperar minha faca, cortando as costas dela. Ela se encolheu e foi a chance que tive de colocá-la para baixo, segurando seus braços com uma de minhas mãos. Ergui meu outro braço e me preparei para dar um golpe, mas fui puxado pela gravata com a mão que Susan conseguiu soltar e fui beijado novamente.
Sem ter soltado a faca, uma dor aguda me atingiu no flanco e percebi estar sendo apunhalado. Eu a soltei e joguei a arma para longe de nós dois, achando que acabaríamos a luta ali. Pelo contrário, ela me chutou entre as pernas e correu para a lâmina, sendo jogada ao chão quando pulei atrás dela, desequilibrado com a dor.
- O que é que tem de errado com você? – eu gritei.
- Você! E quero acabar com tudo que tem de errado comigo! – ela tentou se arrastar para longe.
- Talvez pudéssemos ser mais razoáveis! – eu a puxei pelas pernas, afastando-a da faca – Pensar em um acordo ou alguma coisa!
- Que tipo de acordo pode-se fazer com um assassino?
Susan usou o salto da bota para apunhalar meu braço e pegou a faca. Eu desviei de alguns golpes até conseguir segurar as mãos dela, colocando-a contra a parede com um braço torcido e o outro seguramente preso com meu corpo. Uma das minhas pernas prendia as duas dela contra a parede para evitar surpresas. A jornalista estava completamente paralisada.
- Agora, vamos conversar, como pessoas civilizadas. – sussurrei no ouvido de Susan.
- Você não tem nada de civilizado. – ela respondeu entre lágrimas.
- Se eu não tivesse você não estaria aqui agora, não é? – a beijei pelo pescoço e por um de seus ombros, expostos graças ao corte que se estendia por parte de suas costas.
- Não. Mas eu não teria caído em seus truques e essa situação embaraçosa... – teve um arrepio depois de um beijo que dei em sua orelha – seria dispensável.
- Eu até que gosto dessa situação embaraçosa... Assim como gosto...
- Cala a boca. Anda, acaba o serviço. É a única coisa que você gosta de fazer, não é? – Susan virou sua cabeça para longe de mim.
- Podíamos fazer um acordo. – eu segui seu movimento, sem deixar de beijar sua pele – Que beneficiaria a nós dois.
- O que você propõe? Que eu pule da janela e você fica feliz ou o que? Que eu fique quieta para que você me deixe ir e fique vulnerável para o próximo assassino que eles mandarem? – ela tentou se soltar, em vão.
- Eu proponho... – a coloquei de frente para mim, separada só pelo comprimento de nossos narizes – Que você me contrate enquanto caçamos Walter. Podemos fazer um plano, o encurralamos e o matamos. Ou o prendemos, está bem. – dei de ombros depois do olhar enojado dela – Que tal?
- Imprudente e absurdo. E aposto que caro. – ela me olhou fixamente – Sem termos extras?
- Poderia pensar em alguns, mas você deveria estar de acordo... – eu sorri, provocando-a.
- Eu pago o que ele está te pagando. Nem um centavo a mais. E só 15% adiantados.
- Feito. – soltei seus braços, puxando-a para mais perto – Mais alguma coisa?
- Só esta noite. – e me beijou.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Sem Titulo - 1


1-

Era uma terça-feira de primavera com um fim de tarde quente quando o telefone finalmente tocou no quarto 144 do Hotel Bella Muerte, onde eu estava hospedado.
- Boa tarde, Sr. Venom. Como tínhamos combinado, escrevi tudo que pediu. – disse Walter, com sua voz grave e forte.
- Tudo bem. Onde estão? – perguntei, com pressa.
- Primeira gaveta do seu guarda-roupa. Quero que acabe até quinta-feira, em duas semanas. E sem evidências de assassinato.
- Problemas de depressão, certo? – sorri.
- Exatamente. Mais uma razão por ter escolhido você. Espero que não haja falhas.
- Não se preocupe Walter. Eu não cometo erros. Mantenha contato... Mas devo estar ocupado nos próximos dias. Adeus. – desliguei o telefone.
Fui até o guarda-roupa do hotel, tirando um grande envelope branco da gaveta com um nome escrito em vermelho. “Susan Roth”. Eu o abri e comecei a ler as informações rapidamente. “Jornalista revela esquema de contrabando”...”Roth descobre a razão da morte de 80 pessoas no interior”..
Atrás, ele observou a foto dela por um tempo. Embaixo, escrito em uma pequena e apressada letra lia-se “vista muitas vezes jantando no shopping SPS”. Coloquei meu capacete, peguei minha moto e fui direto para lá.
Em alguns minutos andava pela praça de alimentação observando a variedade de restaurantes e fast-foods ao redor. Peguei um pequeno cartão do meu bolso e olhei a foto de Susan, fingindo escolher um lugar para jantar. Quando achei que não a encontraria, consegui.
Ela estava sentada em uma mesa próxima, completamente focada em sua própria comida. Me aproximei colocando a bandeja sobre a mesa, o que a fez erguer os olhos um pouco. Ela me encarou por um tempo e pude imaginar a impressão que estava fazendo. Afinal, sou alto, um pouco pálido, com olhos avelã e cabelo castanho, que cuidadosamente baguncei antes de sair de casa. A olhei de volta, com meu melhor sorriso. A foto que me entregaram parecia bem recente: cabelos vermelhos, olhos azuis profundos e vazios, sardas...
- Está esperando alguém? – perguntei, sem deixar de sorrir.
- Não. – Susan respondeu secamente.
- Posso me sentar então?
- Tenho escolha? – ela sorriu, irônica.
- Felizmente não.  – me sentei. Pelo olhar que ela me lançou acreditei que esperava mais alguma coisa. – Ah, desculpe-me. Sou Julian, Julian Stokes.
- Prazer. Susan Roth. – esticou-me sua mão.
- O prazer é todo meu. – sorri largamente, pegando a mão e beijando-a levemente.
Susan me olhou curiosamente, tirando a mão de perto de mim rapidamente. Comecei a puxar conversa, não desistindo mesmo que ela me respondesse de forma dura e curta. Depois de um tempo, quando passei a descrever meu maravilhoso “emprego” como cirurgião no hospital de uma cidade próxima e como eu adorava ler o jornal enquanto sentava-me em um parque, Susan começou a falar mais, dividindo alguns pensamentos da sua carreira jornalística após se formar na universidade estadual.
O diálogo durou mais do que eu esperava, e as lojas começaram a fechar. Susan suspirou.
- Infelizmente eu tenho que ir. Amanhã trabalho cedo no jornal. – ela pegou um bilhete de metrô do bolso.
- Não quer uma carona? – sorri.
- Droga. Moto?
- Com capacete incluso, é claro. – pisquei.
- Certo... Moro na 22 com a 5ª.
Eu a levei até minha moto, com ela logo atrás. Isso estava sendo muito mais fácil do que eu tinha planejado.  Susan me segurou fortemente até chegarmos à frente de um prédio alto e velho, com várias janelas quebradas e tinta saindo das paredes.
- Obrigada pela carona. – Susan me devolveu o capacete.
- Quando posso te ver de novo, Susan? – sorri.
- Bem, quem sabe, não é? – ela riu.
- Mesmo lugar amanhã, talvez?
- Talvez. Se você conseguir lembrar onde estávamos... Posso deixar você sentar de novo. Boa noite, Julian.
Eu a observei entrando no prédio, com um último aceno antes de passar pela porta. Assobiei baixo. Acho que jornalismo não dá um bom lucro, afinal... Dei uma risada curta e fui embora.

No dia seguinte me aprontei rápido, mas tentei me arrumar melhor. Tinha que impressioná-la ainda mais então coloquei a melhor polo que tinha, combinando com um jeans, e trabalhei duro para ajeitar o cabelo para fora dos olhos. Me olhei no espelho e duvidei que ela fosse resistir, saindo.
O lugar estava mais cheio que no dia anterior. Como não tinha certeza se eu devia chegar à mesa já com meu jantar, tentei seguir os mesmos passos que no dia anterior. Com tantas pessoas me confundi por um momento, mas encontrei aquele cabelo ruivo cacheado da minha vítima finalmente. Me aproximei com um olhar profundo e sorrindo amplamente.
- Boa noite, Susan.
- Julian. Já estava faminta… - Susan começou a se levantar.
- Por favor, não se incomode. Posso te trazer comida. – sorri ainda mais – Alguma preferência?
- Só me traz o que você for comer mesmo. – deu de ombros.
Eu pisquei e segui para um dos fast-foods comprando dois sanduíches e voltando rapidamente.
- Você nunca se importa com o que come? – perguntei.
- Não, pelo menos desde que comecei a escrever para o jornal. O estágio era duro, pouco tempo para comer. Ou qualquer coisa, na verdade. – ela riu – Nunca pensei que seria a fase menos trabalhosa da minha vida.
- O que quer dizer?
- Bem, ir atrás das minhas histórias dá tanto trabalho... Mesmo que por curtos períodos. Não é fácil encontrar criminosos, sabe. – engoliu um grande gole de refrigerante – Pode demorar meses. E geralmente não desisto de encontrar quem estou procurando... Afinal de contas, ainda não falhei.
Eu pisquei algumas vezes, chocado. Não pude deixar de pensar em mim quando ela disse essas coisas... Mas é claro que não. Me esforcei para mudar de assunto - péssima ideia. Susan não era nada como parecia. Não era nada sensível – gostava de filmes violentos. Nem frágil – bebia e comia principalmente coisas fortes. Tão... Parecida comigo que estava ficando assustado. Tinha que conquistá-la logo. Pelo menos não tinha que mentir para conseguir isso… As semelhanças estavam fazendo isso por mim.
Susan deixou que eu a levasse para casa de novo. Assim que ela desceu da moto, perguntou:
- Quando nos vemos de novo?
- Quando você pode? – sorri.
- Domingo? Está passando um filme bom no cinema aqui perto.
- Parece bom. Aquele de terror?
- Exatamente. – ela sorriu – Espero você lá.
- Não quer que eu te busque?
- Não. Tenho que passar no jornal primeiro.
- Tudo bem. Te vejo domingo então. – peguei a mão dela, a beijei e fui embora, sem olhar para trás.

Domingo chegou cedo e tarde demais ao mesmo tempo. Eu não queria vê-la de novo, mas tinha certeza que ela ainda não tinha se apaixonado e isso faria tudo mais difícil do que devia. Suspirei enquanto me olhava no espelho, imaginando o que mais aquela mulher tinha, mas empurrei isso pro fundo da minha mente o mais rápido que pude.
Quando cheguei no cinema ela já estava me esperando na fila para comprar ingressos. A calça preta que ela usava era bem justa e as curvas estavam tão a mostra que não pude deixar de ficar olhando por um tempo antes de parar a seu lado, assustando-a. Sorri, tentando não olhar mais.
- Olá, linda. Você está maravilhosa. – murmurei no ouvido dela.
- Obrigada. Você não está nada mal também. – ela corou.
- Que tal eu comprar os ingressos enquanto você busca a pipoca?
- Parece bom. Vou te esperar lá.
Não consegui evitar assisti-la até que ela sumisse dentro do prédio. A fila não demorou tanto quanto eu queria... Ficar perto dela estando tão bonita era difícil. Por um momento achei que ela sabia disso. Mas era loucura, claro.
Quando o filme começou ela me deixou passar o braço atrás de seus ombros e ainda se aproximou. Fiquei agradecido pelo escuro. Tenho certeza de que corei e isso era ridículo. Após um tempo pensando, concluí que eu poderia curtir meu trabalho antes de terminá-lo... Ao menos um pouco.
O filme acabou sendo mais assustador do que eu pensei e Susan aparentemente notou o mesmo, já que ela  ficava escondendo o rosto em meu ombro várias vezes. Todas as vezes pude cheirá-la... Era tão doce que não consegui me controlar. Em uma das vezes me aproximei e notei que ela não se afastou. Então a beijei.
Foi o meu primeiro erro.
Algumas horas depois estávamos em frente à casa dela. Combinamos outro encontro para terça e eu sabia que teria de ser o último. Estava arriscando demais.

Depois de três outros encontros, Susan virou para mim sem sair da moto.
- E então? Mais planos?
- Estive pensando em ir a outro lugar domingo... Sei de um ótimo restaurante de massas, não muito longe.
- Qual é o nome? Para eu ler as críticas, sabe? – Achei que Susan soou irônica.
- Bella Muerte. Pratos ótimos. Vinhos fantásticos. Se você achar a companhia boa…
Susan riu, concordando com a cabeça.
- Oito horas?
- Em ponto. Te espero lá. – pisquei.
Susan riu mais uma vez e entrou. Tudo ia como planejado: ela estava apaixonada e não desconfiava de nada. Agora tinha uns dias para encontrar as pílulas, bolar o bilhete de suicídio... E minha passagem pra Austrália.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Sem Titulo - Prefácio


John estava sentado naquela sala vazia, sem janelas – ou qualquer coisa, na verdade – por horas. Pensava lentamente o que tinha passado nas últimas semanas, em tudo de errado que havia feito. A única coisa que não conseguia entender era como acabou ali. Ele encontrou a garota que deveria matar, mas não o fez. E isso provavelmente era o que o deixava mais intrigado... Ele tinha matado tantos antes, por que não aquela jornalista curiosa, pequena e aparentemente indefesa?
Sem respostas, ele se curvou contra a parede e olhou para o nada, pensando, para ver se ele podia encontrar no fundo de suas memórias algum sentido para tudo isso.



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Novidades

Bom, primeiramente quero dizer que o intuito deste blog é o mesmo do anterior, http://lotsofinutilities.blogspot.com, mas com as versões mais novas das histórias e com um endereço mais fácil de ler...

O detalhe é: passei a escrever a Sem Titulo em inglês, tanto porque achei que ficou melhor quanto para praticar... E consegui diminuir a melação da Corrente, que estava me irritando. ^^

Então é isso! Espero que apreciem a leitura.