A casa de Marta era o oposto da de Susan. Tinham muitos vasos de flores, cortinas floridas e mobílias de todas as cores. O sofá era vermelho vivo, extravagante, e muito confortável. Fiquei sentado nele enquanto ouvia as duas moças na cozinha, pondo a mesa e acabando os pratos.
- Então, você tem um namorado? - ouvi Marta sussurrar.
- Mais uma... Companhia temporária, Marta. - pude notar o tom de escárnio da voz de Susan.
- Você tem certeza que isso é tudo, querida? E o corte em seu pescoço?
- Shh... - Susan abaixou sua voz - Temos um trato agora. Ele não vai tentar me matar de novo. Ele vai me proteger. Ou tentar, pelo menos. Não deixe que ele saiba que você está a par de tudo.
Elas ficaram quietas depois, ou o barulho da louça era mais alto que a conversa, porque não pude ouvir mais nada. Então a senhora tinha percebido. Pensei seriamente em fugir, mas considerando o tom que Susan usou conclui ser desnecessário. Talvez tivesse sido um plano para que eu não pudesse mudar de ideia e simplesmente matá-la agora, já que tinha uma testemunha. Era difícil ter certeza, já que Susan era mais esperta do que eu queria.
Não demorou para eu ser chamado à mesa. Sentamos e comemos, com Marta agindo perfeitamente neutra enquanto me perguntava sobre minha vida profissional. Disse que era um agente de viagens, motivo pelo qual passava muito tempo fora, e levaria Susan também por um tempo.
Descobri algumas coisas sobre a senhora, como o fato de ela ter sido uma dançarina famosa em sua juventude e que mesmo casada, não pôde ter filhos. Foi como ela praticamente adotou Susan como dela quando ela se mudou para o duplex, já que os pais da jornalista haviam morrido alguns anos antes.
Depois de algumas horas Susan se desculpou, dizendo que tínhamos algo a fazer, e fomos embora. Ao chegarmos no andar de cima ela foi direto para seu quarto, voltando com um grande livro sem capa, sentando-se ao meu lado no sofá.
- Notas de aula? - perguntei, irônico.
- Quase. Artigos de crimes de matadores de aluguel e a maioria dos crimes de Walter. - ela folheou as páginas como se estivesse em busca de um específico.
- Como você achou o Walter?
- Na verdade, não achei. - sorriu - Eu sei o que ele fez, faz e talvez até o que ele vai fazer. É sempre a mesma coisa, tráfico de dinheiro, drogas, produtos. Cada vez de um modo. Só dá pra perceber a assinatura se souber os detalhes de cada crime.
- E qual é?
- Como se eu fosse te dizer, né?
- Como você quer que eu brigue contra uma coisa que eu nem conheço? - joguei uma almofada em Susan, frustrado.
- Conhecimento. - ela apontou para si - Força bruta. - apontou para mim.
- Não acho que seja justo.
- Então estude e descubra você mesmo. - jogou o livro em mim, levantando-se.
- É seguro passar a noite aqui? - segurei-o antes que me atingisse, seguindo-a.
- Ninguém nos viu. E preciso ler um pouco e juntar material, assim como você.
- E porque você não fica aqui estudando comigo? - eu a segurei pelo pulso.
- Penso melhor sozinha. - sorriu.
- Você devia aprender a trabalhar em grupo. - a puxei para perto.
- Diz o cara com o trabalho mais solitário do mundo. - ela me empurrou.
- Talvez com a sua companhia eu pudesse abrir uma exceção... - disse, irônico.
- Que pena, então. - ela virou e entrou em seu quarto, batendo a porta atrás de si.
Sorri para a porta fechada, balançando a cabeça negativamente. Então ela não tinha mentido quando disse "Só hoje" no dia anterior. E tinha muito a esconder, como deu para notar pela conversa com a vizinha.
Como não tinha o que fazer, segui o conselho de Susan e li os artigos que ela me emprestou. De fato, só depois de acabar de ler todos eles à noite pude ver a marca de Walter nos crimes: Sem pistas. Sem impressões digitais. E se era pego, deixava tudo para trás.
Nesse ponto reparei que ia ter de dormir no sofá. Suspirei. Pelo menos tinham algumas almofadas que usei para me aconchegar, dormindo.
No dia seguinte não saímos também. Planejamos os próximos passos e Susan lembrou que tinha uma festa na terça-feira. Como sabíamos que Walter estaria ciente da falha até lá, escolhemos nos hospedar no próprio hotel da festa.
Fazia frio nesta noite, e enquanto dormia notei um cobertor sendo colocado sobre mim. Como um reflexo, puxei a mão que estava mais perto de meu rosto, e Susan caiu sobre mim com um grunhido.
- Estava me esperando por acaso? - ela tentou se soltar.
- Torcendo se encaixa melhor. - eu sorri, tirando alguns fios de cabelo de seu rosto.
- Ok. Achei que você estivesse com frio. Quero ir voltar a dormir, por favor. - tentou novamente.
- Mas então você teria frio. Aqui o cobertor é natural. - acariciei seu rosto.
- Prefiro os sintéticos...
- Você não pode ficar mentindo. Estava pensando em mim, obviamente. - a puxei para mais perto.
- Não sonho com assassinos, John. - sua respiração estava tensa.
- E com seguranças particulares? - a beijei no rosto após cada palavra.
- Bom salário? - ela sorriu, se aproximando.
- Excelente. - ergui minha cabeça até meus lábios tocarem nos dela, soltando seu pulso.
- Prefiro trabalhos mais seguros. - ela disse sem remover os lábios, se levantando e entrando em seu quarto.
Eu a assisti ir, sorrindo presunçosamente.